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Arthur Reingold faz escola no Epi2017 com seu método cheio de humor, crítica e humanidade
Arthur Reingold é médico e não possui doutorado, o que não o impediu de presidir sessões com as maiores autoridades sanitárias e científicas do planeta, apoiado num vasto conhecimento epidemiológico, na humildade e em aforismos futebolísticos – no caso, do baseball. “Tinha um grande apanhador dos New York Yankees, o Yogi Berra, famoso por suas frases de efeito sem nenhuma lógica formal. Elas me acompanham e servem para pensar a epidemiologia e o papel da ciência. É importante saber que “você pode observar coisa à beça apenas vendo-as”, disse ele com um largo sorriso iluminado pelo telão que estampava a frase original. Foi dessa forma leve e segura que o professor e chefe do Departamento de Epidemiologia da Escola de Saúde Pública da Universidade da Califórnia – Berkeley fez duas importantes participações no X Congresso Brasileiro de Epidemiologia. O docente abriu o dia 10 de outubro com a conferência “Ensinando Epidemiologia: métodos, mesmo sofisticados, não são suficientes” e participou, à tarde, da mesa-redonda “A perspectiva epidemiológica sobre os movimentos anti-vacina”. Ao melhor estilo ‘ao mestre com carinho’, ex-alunos e amigos concederam-lhe uma bela homenagem pelo apoio e cooperação junto à comunidade científica brasileira.
Pela manhã, Maria Amélia Veras, coordenadora da Comissão de Epidemiologia da Abrasco, iniciou a sessão com a alegria de receber seu ex-professor e amigo numa das principais sessões do Congresso. Com muito humor, mas sem perder o foco na ciência, Arthur Reingold partiu do questionamento se ainda seriam válidos os epidemiologistas que não trabalham com o aporte teórico-conceitual dos diagramas causais, particularmente dos gráficos acíclicos direcionados (Directed Acyclic Graphs – DAG, em inglês). “Defendo que, além de métodos, os epidemiologistas precisam de muitas outras qualidades para fazerem suas contribuições. O mais difícil é pensar de forma epidemiológica, é saber fazer a pergunta certa”.
Recorrendo à história, Reingold recuperou cientistas que não poderiam imaginar a sofisticação dos métodos avidamente solicitados pelos alunos nos dias de hoje, mas que abriram os caminhos da medicina e do pensamento ocidental. Trouxe as contribuições de John Snow e a descoberta do mecanismo de transmissão do cólera e sua relação com a rede sanitária londrina; de Peter Panum, com as investigações sobre o sarampo nas Ilhas Faroé, na Dinamarca; de Emile Durkheim, fundador da sociologia e empreendedor de estudos ecológicos sobre o suicídio na Europa do século XIX, assim como de investigadores mais recentes, como Richard Doll, que estabeleceu as bases da epidemiologia das doenças crônicas associadas ao consumo do tabaco; e Arthur Herbst, que fez investigações sobre a relação de estrógenos com o adenocarcinoma vaginal. Mesmo com uma lista só de homens, o docente registrou que 70% dos estudantes interessados em epidemiologia são mulheres e que com elas está o futuro, citando também o papel de pioneiras como Florence Nigthgale.
“Gary Taube, um grande amigo meu, publicou um artigo na Science, em 1995 [Epidemiology faces its limits], sugerindo que todas as investigações sobre altos riscos e grandes razões de chance já foram provavelmente feitas, e que todo o resto é muito sutil para a epidemiologia encontrar. Eu acho que ele errou, mas também considero válido pensarmos nos limites do campo. Mesmo hoje em dia, grandes descobertas podem ser encontradas e grandes perguntas ainda precisam ser respondidas”, pontuou Reingold ao iniciar uma nova sessão dentro de sua fala, que apelidou de “as outras qualidades de vida do método de formação Arthur Reingold”.
De maneira magistral, Reingold ensinou o valor de ser cauteloso – pois resultados causam impacto real; de ser seletivo na escolha dos mentores e de alunos; de ser humilde e lembrar que alguém já pensou ou produziu o mesmo conhecimento anteriormente; de ser cético e resiliente quanto aos métodos e resultados, mantendo a confiança e a razão mesmo quando atacado; e até a importância de se estar bem vestido ao contar importantes momentos de uma profícua carreira de mais de 40 anos. Das primeiras investigações, como relatos de transmissão de hepatite B em consultórios dentários, do trabalho de controle de uma epidemia de meningite no Nepal e das grandes pesquisas sobre a carga global do HIV que desenvolveu junto ao Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos (CDC) e à Organização Mundial de Saúde (OMS) - de todas elas o professor falou como aplicou o olhar epidemiológico, como identificou a melhor abordagem e delineamento e quais lições tirou.
“Não há dúvida que os estudos de inferência causal são o estado da arte de nossa disciplina. São importantes, dão credibilidade e ajudam a publicar mais rápido. No entanto, métodos ótimos não substituem uma boa pergunta e, infelizmente, não podem corrigir estudos falhos na implementação e no desenho. Os gráficos DAG podem ajudar a medir confundimento, mas não ajudam muito em lidar com diferentes vieses de informação e seleção impossíveis ou muito difíceis de medir. E a última lição é que mesmo epidemiologistas antiquados eventualmente ensinam algo útil”, despediu-se, fazendo piada.
Homenagem e globalização anti-vacina: Uma chuva de palmas foi a primeira forma de agradecimento ao professor, emendada por uma série de homenagens. Amélia convidou à mesa Maya Petersen, Willi McFarland e Francisco Inácio Bastos e emendou. “Art tem recebido brasileiros em Berkeley faz alguns anos e contribuiu diretamente para a formação de mais de uma centena de pesquisadores. Além do aprendizado dos métodos, ele deixou uma impressão do lado humano de ser professor. Essa pequena mesa é uma maneira de dizer obrigado a tudo que você nos proporcionou”. Francisco Bastos destacou a raridade do olhar de Reingold. “À medida em que envelhecemos, passamos a olhar o tempo em diferentes direções, e a apresentação do Art trouxe isso”. Willi ressaltou a honestidade do mestre para com seus alunos e Maya disse que ele mudou sua vida. “Art junta ciência, bom humor e encorajamento. Mesmo buscando outro caminho teórico, ele me apoiou como docente na minha chegada à Berkeley. Tenho uma sala ao lado da dele, que continua a ser a inspiração como professora. Podemos ensinar e fazer o mundo um lugar melhor.” Em vídeo, Laura Lyyn, Euclydes Castilho, Esper Kallas e Luis Loures somaram outros agradecimentos ao mestre.
Arthur Reingold participou ainda da mesa-redonda “A perspectiva epidemiológica sobre os movimentos anti-vacina”, que contou também com a participação de Carolina Barbieri, professora do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade Católica de Santos e de Kenneth Rochel de Camargo, professor titular do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS/Uerj).
Reingold marcou o estrondoso avanço da medicina e das técnicas de imunização em massa nos últimos 50 anos. A eficácia da ação conferiu sucesso diante de toda a relutância, historicamente reconhecida em todas as épocas. “Fizemos um grande calendário vacinal, o que exige que cada criança receba muitas doses nos primeiros dois anos. Naturalmente pela força da coincidência, elas acabam desenvolvendo doenças após a imunização. Apesar da relutância histórica, fazemos um bom trabalho de imunização. Atualmente, vacinamos também os adolescentes e assumimos os créditos e esforços para o controle das doenças imunopreviníveis. A vacinação permitiu acelerar a redução de muitas doenças”.
O pesquisador vê o mesmo movimento em diversos países – há condados nos Estados Unidos com mais de 25% de suas populações sub-imunizadas - e identifica na crise da representatividade da ciência e da política uma das respostas possíveis. A disseminação da internet e a força da circulação de fake news e versões incorretas dão os traços contemporâneos do debate. “Nos dias de hoje não sabemos a diferença entre as notícias certas e erradas. A preocupação com a segurança das vacinas não é um fenômeno novo, mas o fim da confiança sim. As pessoas não confiam mais em ninguém, nem em professores de cabelo branco de Berkeley”, disse com sua graça peculiar.